quinta-feira, abril 11, 2013

História de vida de António Luís Parente Meixedo

Entrevistadora: Maria Olinda Rodrigues Santana (sobrinha)
Entrevistado: António Luís Parente Meixedo
Local da entrevista: Lugar de Campo Benfeito – Castro Daire (domicílio de férias da entrevistadora e do entrevistado).
Data da entrevista: nos dias 7 e 8 de agosto de 2012, das 15h às 18h.
Duração da entrevista: 5h, 2horas e meia no dia 7 e outras 2 horas e meia no dia 8.

António Luís Parente Meixedo, em Campo Benfeito, agosto de 2012


Em primeiro lugar, gostaria de registar o seu nome completo?
António Luís Parente Meixedo.

Nasceu em que data?
Nasci a 20 de junho de 1943, no lugar de Santa Marta de Portuzelo, no concelho de Viana do Castelo.

Vida dos pais

Os seus pais eram naturais da mesma localidade?
O meu pai era natural do lugar de Santa Marta de Portuzelo e a minha mãe da Meadela, uma localidade vizinha, pegada a Santa Marta.

Como se chamavam e em que ano nasceram?
O meu pai chamava-se Gaspar Martins Meixedo.

A minha mãe chamava-se Conceição Parente, nasceu a 3 de agosto de 1904 e o meu pai não me recordo do mês, mas presumo que nasceu em junho ou julho de 1905, porque ele era mais novo um ano do que a minha mãe.

 Como se conheceram?
Eles conheceram-se porque o meu pai era comerciante e industrial de materiais da construção civil e cereais e a minha mãe era comerciante na área de frutas e cereais. Conheceram-se através das famílias que eram conhecidas nas duas terras e casaram.

Quando se casaram?
Não sei quando se casaram, mas a minha irmã mais velha tem 84 anos, portanto eles devem ter casado um ano antes, por isso por volta de 1927 com vinte e poucos anos.

Que profissões tinham?
O meu pai tinha uma frota de barcos no rio Lima, que transportava os produtos (cereais) para alimentar as feiras de Viana do Castelo e Ponte de Lima. Todos os filhos foram barqueiros, mas não soube vender os barcos a tempo nem modernizar-se a acabou por ir à falência. Como já disse atrás a minha mãe era comerciante na área de frutas e cereais, comprava a fruta nas árvores e tinha criados para colherem a fruta e depois vendia-a para os mercados do Porto.

 Quantos filhos tiveram os seus pais?
Nove filhos. Oito varões, rapazes e uma filha a mais velha.

Vida dos irmãos

Diga-me os nomes dos seus irmãos.
Rosa da Conceição Parente Meixedo; Luís Parente Meixedo; Manuel Parente Meixedo; Gaspar Parente Meixedo; Domingos Parente Meixedo, José Parente Meixedo; Francisco Parente Meixedo; António Luís Parente Meixedo; José Passos Parente Meixedo. Eu sou o antepenúltimo filho (risos).

 Conte-me resumidamente a história de vida de cada um dos seus irmãos.
A Rosa Parente Meixedo é a mais velha, quando casou o irmão António Luís Parente Meixedo era pequeno, tinha apenas 6 anos. Enquanto esteve em casa era ela que tratava dos irmãos, porque a mãe andava por fora a comprar fruta, comprava a fruta nas árvores nos pomares em Viana e Ponte de Lima para vender para o Porto. Casou-se na terra com um pintor da construção civil, António Ramiro Ramos, por volta de 1949. Teve 3 filhas. Ela foi doméstica e bordadeira dos bordados regionais de Viana do Castelo. O marido emigrou para França, na altura da guerra colonial e lá ficou até se reformar. Foi a sogra, Conceição Parente que lhe emprestou o dinheiro para ele ir a salto para França. A filha mais velha da irmã Rosa chama-se Maria Ramos é uma modista famosa em Viana do Castelo. A segunda chama-se Conceição Meixedo Ramos, uma delas emigrou para França, a mais nova é Rosa Maria é empregada do comércio, numa sapataria em Viana do Castelo.

Por que é que a sua irmã os criou?
Para ser sincero tenho uma grande paixão pela minha irmã, como se fosse minha mãe, porque a minha mãe como era comerciante, trabalhava muito e muitas vezes não vinha a casa, porque os negócios a obrigavam a ficar fora. A minha mãe era muito gananciosa. Critiquei-a muito, porque ela pensava muito no dinheiro. A minha mãe pensava mais no dinheiro do que nos filhos. Eu não tinha poder sobre isso e prejudicou-nos muito. Herdei dos meus pais, posso dizer, duas quintas, à minha parte: um terreno na Meadela e um terreno em Santa Marta de Portuzelo. Eu como nunca gostei daquela terra não fiz lá casa. Gosto da terra, mas não gosto daquela gente, do povo que lá vive, metem-se muito na vida das pessoas. É um povo como muita fantasia para o bem e para o mal. Aquela gente é muito alcoviteira. No Porto, é totalmente diferente, as pessoas respeitam-se, mas não se metem na vida umas das outras. Nas grandes cidades, tudo está mais próximo. Eu por essa razão gosto mais de viver numa grande cidade, gosto mais do Porto.

 Luís Parente Meixedo teve várias profissões. Primeiro foi barqueiro, porque o meu pai tinha a frota de barcos no rio Lima. Foi mergulhador. O meu irmão tirou a escola de mergulhador e trabalhou na capitania de Viana do Castelo, mas, como era um cabeça levantada, bateu para lá num comandante e saiu. Voltou a tomar conta da frota de barcos do meu pai. O meu pai não evoluiu tecnologicamente e a frota foi à falência. Esse meu irmão foi um dos maiores bailarinos do vira minhoto no Rancho Folclórico de Santa Marta de Portuzelo, viajou por muitos países, foi ao Brasil, conheceu todo o mundo. E depois vendo que não tinha futuro em Portugal, emigrou para França, sem ter feito qualquer exame. Aprendeu francês, foi eletricista, chegou a chefe dos eletricistas no aeroporto de Charles De Gaulle. Casou-se com uma portuguesa em França, tem um filho. Hoje, está reformado vive nos arredores de Paris, em França.
Manuel Luís Parente Meixedo também tem uma grande história. Era o menino bonito da mãe, fez tudo para que ele estudasse. É aí que condeno os meus pais, porque distinguiam os filhos. A minha mãe mandou o meu irmão estudar para Viana do Castelo, onde fez o 5.º ano e todos os meus irmãos mais velhos eram analfabetos. A Rosa fez a 3.ª classe, ensinada pelo Manuel, que a ensinou quando vinha de férias a casa. O Luís e o Gaspar não estudaram nada, não têm um único exame. As crianças eram obrigadas a trabalhar mesmo pelos próprios pais. Os meus pais tinham dinheiro e compravam terras e mais terras. Os pais escravizavam os filhos. Eu não tinha 7 anos e já era obrigado a levar o gado (as vacas) ao lado contrário a sul do rio Lima a Darque a vários quilómetros, às veigas, que hoje são do Estado. Atravessava o rio Lima, muitas vezes me vi atrapalhado, mas todos passamos pelo mesmo.
Depois disso mandou-o para o Brasil, porque ela tinha lá um irmão de quem era muito amiga em Porto Alegre, São Paulo, Rio Grande do Sul. Ele foi de barco para lá. A minha mãe ficou sem ver o filho querido muitos anos, porque ele enriqueceu lá, mas nunca quis saber da mãe. Ficou lá quarenta e tal anos. Eu atirava-lhe isso à cara que o querido dela abandonou-a. Dizia-lhe que ela separou os filhos amorosamente. Ele nem a viagem lhes mandou. Passados vinte e tal anos ele convidou os meus pais a irem ao Brasil visitá-lo, mas nem a viagem lhes pagou. Antes disso o meu irmão Luís foi ao Brasil dançar com o Rancho Folclórico de Santa Marta de Portuzelo e o meu irmão Manuel foi ter com ele de avião a jato ao lugar onde decorria o Festival Folclórico.

Ele é o meu padrinho de batismo, porque segundo o reitor da igreja de Santa Marta de Portuzelo, segundo as leis da igreja, na altura em que eu nasci. O oitavo filho tinha de ser batizado pelos irmãos mais velhos senão virava lobisomem. Os meus padrinhos são a minha irmã Rosa e o meu irmão Manuel. Ele como eu era o afilhado dele, convidou-me por carta a ir trabalhar com ele para o Brasil. Eu na altura ainda era solteiro, mas já era encarregado na empresa Soares da Costa. Escrevi-lhe impondo as minhas condições para ir para o Brasil, mas ele nunca me respondeu. Eu não confiava nele e queria um contrato assinado antes de ir para o Brasil. Ele disse à minha mãe que eu não quis ir e a minha mãe disse-lhe que eu estava bem, estava numa grande empresa que corria o mundo todo. Os meus pais faleceram e ele não veio cá.
O meu pai faliu. Tornou-se fiador de vários amigos e perdeu tudo, depois disso tornou-se alcoólico. A minha mãe foi corajosa e conseguiu não pagar as fianças dele, porque colocou uma ação em tribunal. O meu pai depois ficou em casa a ajudar o meu irmão Gaspar e a mulher Cândida Gigante na agricultura. Faleceu com 78 ou 79 anos em 1984.

O meu irmão Manuel era muito rico, porque tinha confeitarias, cafés e fábricas de farinha vinda da Argentina, bombas de gasolina no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina. O sócio do meu irmão que era o financeiro, o meu irmão era o prático, roubou-o e ele ficou na miséria. Antes teve um desgosto muito grande, porque mataram-lhe o genro, num assalto, que aconteceu quando ele foi buscar as filhas à escola. O genro do meu irmão colocou-se à frente de uma filha para a salvar da morte e foi ele atingido. O meu irmão ficou muito perturbado com isso e um sócio que tratava das finanças roubou-o só ficou com 4 apartamentos e uma casa de praia em Santa Catarina e com uma pequena pensão. A minha irmã Rosa quando soube disso foi com uma filha ao Brasil saber dele e viu que ele estava pobre, com uma reforma baixa e a família da mulher e a mulher afastou-se dele. Ainda trabalha já velhote numa empresa de uns sobrinhos da parte da mulher.

Ele veio a Portugal com um casal amigo, o Gaspar pagou-lhe a viagem porque o Gaspar tinha ficado com a herança dele. Há 2 anos atrás ele veio cá. Nunca veio com os pais vivos. Ele é a figura exatamente do meu pai. Eu e o Luís somos parecidos com a minha mãe. Entretanto, veio cá e num jantar em casa dos nossos pais, com todos, o Gaspar filho, o meu sobrinho, disse que queria passar a herança do tio Manuel a dinheiro e queria que o tio António estivesse presente na altura em que lhe passasse o dinheiro. O Manuel aceitou o dinheiro para levar para o Brasil. Encerra o capítulo deste meu irmão.
Gaspar Parente Meixedo foi o que mais me castigou e é de quem mais gosto. Eu sempre odiei a agricultura. Eu era muito pequeno e ficava com as mãos feridas. O Gaspar castigava-me, porque eu ficava a brincar e deixava as vacas irem comer o milho dos campos dos vizinhos. A minha mãe batia-me com o sougo, arreio das vacas, e eu fugia de casa e dormia nos palheiros. Aquela vida era brava. O Gaspar foi o lavrador era ele que mandava em casa e era muito severo para os mais novos. Mandava-me com as vacas para uma veiga de Darque em Viana. Eu tinha de fazer vários quilómetros a pé e de atravessar o rio Lima com as vacas. O meu irmão não se preocupava comigo, nem tinha medo que eu me afogasse.

O Gaspar era o agricultor e tinha com ele o Francisco, eu e o Passos. Nós os três tínhamos de fazer a comida durante o dia, ir com o gado e de ir à escola. Colocávamos uma panela na lareira metíamos lá a carne, as batatas e a hortaliça. Eu era tão mau que às vezes até me apetecia escarrar na comida. À noite todos chegavam e comiam, mas éramos nós os mais pequenos que fazíamos todo o trabalho de casa. Um gajo com estas mordidelas aprende muito na vida. Aprendi muito na vida. Era ele, o Gaspar, que dava os conselhos, os meus pais ouviam-no muito. O meu avó, pai do meu pai, chamado Luís Martins Meixedo, quando se reformou veio tomar conta do que era dele. Eu tinha mais respeito ao meu avó do que ao meu pai. Ele tinha sido comandante da marinha mercante, era um homem desenvolvido. O meu pai era muito mais atrasado. Foi ele que me mostrou o que era o sexo, me ensinou a ser independente, mostrou-me o que era a vida. Ele gostava muito da minha mãe. O meu avô era tão evoluído que todos os filhos sabiam ler e escrever. O meu avó não conseguiu pôr travão ao meu pai, porque já era velho e o meu pai com o copo e os amigos foi à falência.
Domingos Parente Meixedo trabalhava com o meu pai, nos transportes da areia, dos cereais, etc. Foi para a Índia, por volta de 1954, e depois não quis trabalhar mais com o meu pai, queria sociedade na indústria e comércio do meu pai, mas ele não lhe deu. Mas ele queria casar, engravidou a namorada, uma rapariga muito querida da minha mãe e exigiu à minha mãe a mobília, o fato para o casamento, e outras coisas, porque queria ir viver para casa da sogra. Se não lhe desse o que ele queria e disse-lhe que a roubava. A minha mãe como ele tinha vindo da guerra na Índia, deu-lhe um desconto e ele conseguiu tudo o que quis. Eu dormia com ele no mesmo quarto e então disse-lhe: “Como deste a golpada à velha?”. Entretanto, recebeu uma quantia de dinheiro de um comprador do meu pai e ficou com o dinheiro. Ele disse que não lho dava e o meu pai perdoou-lhe. Quando casou foi viver para Samonde, onde vive ainda hoje.

Eu não gostei daquela ação que ele fez aos meus pais, e chamava-lhe Neru. Ainda hoje não me dou com ele, ele é do Benfica e eu sou do Porto, não temos nada a ver um com o outro.
Ele é mesmo um Neru, deu também o golpe à sogra, fez-lhe o conto do vigário. A velhota pôs tudo o que tinha em nome dele e da filha e roubou os outros filhos, ficou-lhe com tudo. Pediu ao Francisco para lhe fazer uma venda fictícia, a fazer de conta que as coisas ficavam para o Francisco. Entretanto, deu-se a guerra colonial (1961) e a minha mãe dava-nos dinheiro para eu e os meus irmãos não irmos para a guerra, mas para irmos a salto para França. Eu não quis ir a salto para França. Foi o meu cunhado Ramiro e foi o Francisco. O Ramiro pagou mais tarde à minha mãe, o dinheiro que ela lhe tinha emprestado, o Francisco não pagou nada. O Francisco nunca mais apareceu. Depois o Domingos também foi para França e procurou o Francisco por causa da herança. Conseguiu encontrá-lo e ele assinou a passagem da herança para o nome do Domingos. O meu irmão Francisco foi muito escravizado. Eu tinha coragem de enfrentar a velha e o Gaspar, mas o Francisco não. O Francisco ficou com ódio ao Gaspar e à minha mãe, ao meu pai não, porque ele não era tão severo connosco. O meu pai sabia educar, a minha mãe não. O Domingos tratou mal a sogra, mas a filha, a mulher, também teve culpa. Mas a minha mãe dava sempre a desculpa da guerra.

 O José Parente Meixedo, em primeiro lugar, começou em Santa Marta como carpinteiro. Depois foi trabalhar para Algés. Depois disso fez tropa em Portugal e como começou a guerra colonial foi com o patrão para França. O José levou o Domingos como “maçon” e este último assentava calceta, mas como era muito duro para a coluna, regressou a Portugal. O filho do Domingos agora trabalha nisso. O Domingos veio para Portugal cedo.
O José ficou lá, os filhos estudaram lá. Um filho, o Paulo, veio para cá, para o Porto, estudar mas não conseguiu formar-se em médico. O outro filho, o Domingos, ficou em França é economista em Paris e está muito bem. Falamos muito no facebook. O Paulo, que é fisioterapeuta, vive com os pais em Santa Marta.
O José reformou-se e está em Santa Marta, mora numa das quintas que lhe tocou na herança.
O José é muito humanista e tentou encontrar o Francisco, que também está em França e conseguiu, mas o Francisco não lhe quis falar. Conto já a seguir essa história.

Francisco Parente Meixedo primeiro trabalhou na agricultura, depois nos estaleiros. Ele foi muito escravizado pelo irmão Gaspar e pela minha mãe. Foi para França, na altura da guerra colonial e nunca mais deu notícias. Diziam que ele era um grande chefe de “chantier”. Há poucos anos a Fátima Andorinha a mulher do José que tem muitos amigos franceses, conseguiu através de uma amiga saber onde ele se encontrava. Atualmente, ele diz que é espanhol que não tem irmãos, que é natural de Madrid. Uma amiga da cunhada Fátima conseguiu localizá-lo e foi a casa dele falar com ele. Ele está a viver perto do aeroporto de Charles De Gaulle, perto da Filipa Meixedo, a minha filha. O José e a mulher Fátima tocaram-lhe à porta e foram falar com o Francisco. Este disse que se chamava Meixedo Parente Francisco, e que tinha nascido em Madrid em Espanha. O irmão José ficou indignado e disse-lhe que eram irmãos e quase da mesma idade, que eram tão amigos. A cunhada Fátima Andorinha também lhe disse que eram amigos de infância, mas ele sempre negou. Respondeu que não era português, que falava português, porque tinha muitos amigos portugueses, mas que ele era espanhol. O irmão José sentiu-se mal por ele negar a família e vieram embora.
António Luís Parente Meixedo: “Eu sempre disse que ele não era bom. Se ele não me quer ver eu também não, eramos muito amigos. A minha filha Filipa Meixedo diz-me que se eu quiser que vamos falar com ele, mas se ele não me quer ver, eu também não quero”.

António Luís Parente Meixedo é o oitavo filho.
[Passamos agora ao nono irmão, para terminar a história de vida dos irmãos e depois demoramo-nos mais na história de vida do António Luís Parente Meixedo]

 José de Passos Parente Meixedo fez a 4.ª classe e foi para os estaleiros de Viana do Castelo, porque tínhamos um tio, irmão do meu pai, encarregado nos estaleiros e levou-o para lá trabalhar. Aprendeu nos estaleiros a ser serralheiro mecânico. Um encarregado dos estaleiros arranjou-lhe trabalho com contrato para França. Casou com uma francesa tem dois filhos. Vive em Limoges. Está muito bem, tem uma boa vivenda em Limoges, a mulher é florista e vivem muito bem. Tem a filha a Nancy que é tradutora.

Quando vieram ao meu casamento (1975), o meu irmão Passos ficou abismado quando viu o meu apartamento, na Prelada, aqui no Porto. Ele disse-lhe que aqui, em Portugal, também se trabalhava e ganhava bem. Esse meu irmão visita muito a minha irmã Rosa, vem passar férias a Santa Marta de Portuzelo.

História de vida

António Luís Parente Meixedo nasceu a 20 de junho de 1943, no lugar de Santa Marta de Portuzelo, no concelho de Viana do Castelo. Os seus pais chamavam-se Conceição Parente, natural do lugar da Meadela, onde nasceu no dia 3 de agosto de 1904 e Gaspar Martins Meixedo, natural do lugar de Santa Marta de Portuzelo, onde nasceu em junho ou julho de 1905. Os pais conheceram-se através das famílias que eram amigas e vizinhas e também por serem ambos comerciantes: o pai era comerciante e industrial de materiais da construção civil e cereais e a mãe era comerciante na área de frutas e cereais. Devem ter-se casado por volta do ano de 1927 com vinte e poucos anos. Tiveram 9 filhos: uma mulher, a mais velha, a Rosa Parente Meixedo e 8 filhos homens: Luís Parente Meixedo; Manuel Parente Meixedo; Gaspar Parente Meixedo; Domingos Parente Meixedo, José Parente Meixedo; Francisco Parente Meixedo; António Luís Parente Meixedo; José Passos Parente Meixedo.

António Luís Parente Meixedo é o oitavo filho. Até aos 6 anos foi criado pela irmã Rosa, que se casou por volta de 1949, quando ele tinha apenas 6 anos para si foi a sua verdadeira mãe, pois a mãe estava sempre a trabalhar fora e não dava atenção aos filhos. Na sua opinião a mãe, Conceição Parente, era muito gananciosa, só pensa no dinheiro e em comprar terras. Foi a irmã Rosa e o irmão Gaspar que criaram os irmãos mais novos.

António Luís Parente Meixedo com 7 anos foi para a escola, mas já trabalhava muito para os meus pais. Ainda não tinha 7 anos e já trabalhava no duro. O meu avó, Luís Martins Meixedo, era o pai do meu pai e era muito nosso amigo. Viveu na nossa casa e ele foi muito importante para mim.

A primeira professora, a D. ª Maria, era uma santa. Nunca ninguém me ensinou nada, por isso não sabia ler nem escrever. Chumbei na 1.ª classe. Depois desse chumbo, aprendi bem e na 2.ª classe tive outra professora, jovem, muito bonita e boa pessoa, a quem eu roubava os batões. Ela era doida por um aviador. Ela dizia-me “Oh, António Luís porque não vens mais limpo? Oh, professora, eu antes de vir à escola vou com as vacas”. “Oh, António Luís tu lavaste os pés?” “Oh, professora, ninguém mos lava, e eu não sei lavar”. Ela nunca chegou a casar com o aviador, ficou solteira. Há uns anos atrás, fizemos um jantar todos os antigos alunos com ela no restaurante Camelo, em Santa Marta de Portuzelo, quando fizemos cinquenta anos.

Da 2ª classe para a 3.ª classe passei rápido. Na 4.ª classe, tive um professor muito mau de São Salvador da Torre perto de Meixedo. Ele batia-nos com borracha de pneu. Chamava-me “porco javardo”. Eu ia sujo para a escola, porque ninguém cuidava de mim. A minha mãe andava sempre nos negócios. Nós não tínhamos casa de banho como há agora. Quem limpava a casa erámos nós, eu, o Francisco e o Passos. Fazíamos a comida, lavávamos o chão e ainda íamos com as vacas. A minha mãe ia para as quintas comprar fruta nas árvores, depois mandava os criados dela apanhar a fruta e vendia-a para o Porto. Lá em casa havia criados para trabalhar com ela, mas não faziam nada em casa. Éramos nós os mais novos que tínhamos de fazer o trabalho todo da casa. Ela só foi para a praça, para o mercado de Viana do Castelo, muito mais tarde, já nós não estávamos em casa, mas era só para se entreter. Os mais novos tinham de fazer tudo em casa. Fazíamos a comida para todos, limpávamos a casa, íamos com as vacas. Tínhamos um criado que era do piorio. Foi ele que me ensinou o bem e o mal. Levava-me ao cinema, mas pedia-me para arranjar 25 tostões para o bilhete dele e 25 tostões para o meu bilhete. Dizia-me para eu arranjar 10 escudos, para o cinema e para irmos às gajas. Dizia-me: ”Tens de tirar essa virgindade”. Eu era muito pequeno tinha apenas 9 ou 10 anos, mas tinha muito corpo, era já muito homem. Eu tinha de fugir pela janela, por uma escada que ele colocava, porque os meus pais não nos deixavam sair. Íamos ao cinema Palácio, que ainda existe, em Viana do Castelo. O primeiro filme que vi foi o “Adeus às armas” nunca mais me esqueci. Foi daqui que comecei a gostar de cinema. Depois do cinema, fomos às “putas” na Rua dos Feitais, em Viana do Castelo, tinha uma gorda à porta. Tive de entrar pelas traseiras por ser menor. Foi uma velha gorda que me calhou, brincou muito comigo. O gajo já estava cá fora à minha espera, quando eu sai. Disse que tal? “Oh pá isto é que é um bom remédio”. Gostei muito e perguntei ao criado, “Podemos vir cá todas as semanas?”. Ele disse-me sempre que tiveres 10 escudos. Isto durou até aos 14 anos, tornei-me um bocado vadio.

Trabalhava com o meu pai e um dia lembrei-me de falar com o meu tio Manuel Martins Meixedo, irmão do meu pai, que trabalhava na empresa de construção civil Alberto Martins Mesquita, como diretor. Tinha à volta dos 14 anos e um dia perguntei-lhe: “Você não me arranja dois dela?” [aparte perguntou-me: “Sabes o que é dois dela?” é “Você não me arranja trabalho?”]. O meu tio estava a dirigir os trabalhos de uma barragem nos Pisões e disse-me que me dava trabalho. Então pedi uma manta à minha mãe e disse-lhe que ia trabalhar com o tio Manuel. A mãe perguntou-lhe se eu ia para pedreiro e chorou muito. Fui com o meu tio no carro dele e depois numa camioneta da empresa. Quando chegamos à obra nos Pisões o meu tio disse para os colegas: “Este gajo é meu sobrinho, mas é enxertado em corno de cabra, portanto se ele fizer asneiras digam-me”. O meu tio disse que eu ia ganhar 120 escudos por mês, mas só recebia 20 escudos e o resto ia para uma conta para mim. O meu tio disse-me: ”Entretanto, vais cumprir tudo o que te mandar fazer, se não vais ter castigos”. Fiz muitas asneiras, mas também aprendi muito com ele. O meu tio pôs-me em todas as artes para eu aprender de tudo. De manhã, ficava com ele no escritório a arquivar os processos, a limpar o escritório. Eu, como era curioso começava a fazer perguntas e ele começou-me a mandar-me ficar mais tempo no gabinete. De manhã, ficava no escritório com ele e de tarde ia para a carpintaria e para o betão armado, a parte mais importante da construção civil. Eu gostava de ver as plantas e comecei a entender tudo. Aos 17 anos já sabia ler uma planta. A barragem dos Pisões terminou e viemos para o Porto. O escritório da empresa Alberto e Mesquita era na Rua de S. Gens, para onde eu vim morar mais tarde e onde moro agora. É o destino. Vim fazer uma moradia para o presidente do Banco Pinto de Magalhães. Estava lá um encarregado de Viana do Castelo que estava já velhote e o meu tio mandou-me para lá para eu tomar o lugar de encarregado. Esse Sr. Martins, o encarregado, era amigo do meu pai. No final da obra, o dono da moradia fez uma carta a elogiar o meu trabalho. O dono da empresa o Sr. Alberto Martins convidou-o a ir para uma obra em Rio Tinto e eu passei a tratar da parte da estrutura. Estive nessa empresa até ir à tropa, em 1964. Assentei praça em Chaves, em 1964, e em 1965 fui para a Guiné Bissau e voltei em 1967. Depois de regressar da guerra vim mais calmo, porque eu era um vadio. Vim um homem calmo, “um homem feito”, disse a minha mãe e ela tinha razão.

O meu tio Manuel Meixedo saiu da empresa Alberto e Mesquita e queria que fosse trabalhar com ele. Contudo, recebi um convite da Alberto Martins e Mesquita para ir fazer um bairro na cidade da Guarda, depois fui fazer uma obra no Governo Civil da Guarda e ainda o liceu da Guarda, estive lá 2 anos. Depois disso, sai da empresa Alberto Martins e Mesquita, porque estavam a fazer as 3 obras ao mesmo tempo, quando surgiu um problema. O ministro das obras públicas de Salazar, Arantes de Oliveira ia inaugurar o Governo Civil, era necessário que a obra estivesse pronta para a inauguração, no entanto, era preciso uma grua para colocar uma pedra com o escudo português e o engenheiro que estava à frente da obra não tinha pedido a grua para colocar a pedra com o escudo, para que eu ficasse mal visto. Queixei-me ao patrão, ele foi à Guarda para resolver o problema. Mas este foi o pé para eu vir embora. Fiz o seguinte ao engenheiro: cobri o estirador com notas e soprei nas notas e disse-lhe “isto não vale nada e você vale menos”. “Eu vou ao Porto despedir-me da empresa”. Ele era o diretor da empresa, e tinha–me ódio por o meu tio ter sido o diretor da empresa, antes dele. O patrão, o Sr. Alberto Martins, pediu-lhe para ficar, mas eu queria saber se sabia fazer alguma coisa do outro lado, ou seja, noutra empresa.

Estava um anúncio no jornal a pedir um encarregado para fazer a adega da Quinta da Aveleda. Eu fui à entrevista, estavam lá uns 30 encarregados e eu fui o escolhido. A obra era da Sogrape. Gostaram tanto do meu trabalho que me ofereceram uma boquilha de ouro e 50 garrafas de vinho. Fui inclusivamente convidado para o casamento da única filha, recebi do Eng.º Fernão Guedes, uma carta de recomendação para ir fazer uma outra adega da Sandeman, mas a empresa tinha gruas muito velhas e eu gostava de uma empresa mais moderna e queria ir para uma grande cidade. O eng.º Fernão Guedes disse-lhe para eu ir a uma empresa nova a Soares da Costa e para entregar ao eng.º Fernando Costa, a carta de recomendação. Tinha vindo da tropa, em 1967, tinha 24 anos. Resolvi ir aos escritórios da empresa Soares da Costa na Rua do Almada. Cheguei lá e pedi para falar com o dono da empresa. Estava lá um senhor de idade, o Sr. Martinho. E disse-me “Com qual dos patrões quer falar? São 3: o Sr. José Correia da Costa, o Sr. Fernando Costa e o Eng.º Arlindo Costa. “Qual é o assunto?”. “Quero pedir trabalho como encarregado de obra”. Ele respondeu: “O quê? Tão novo como é encarregado de obra?. Eu respondi-lhe: “O Sr. Conhece o Kennedy o Presidente dos Estados Unidos?” Ele respondeu: “Conheço”. “E ele é novo ou velho?”. Ele respondeu: “É novo”. “Então, eu também não posso ser encarregado e novo?”. Ele respondeu: “Tem razão, mas se é para ser encarregado, o melhor é falar com o Sr. Adriano Carvalho, que é da Maia e está aqui às 6h da tarde. Vá ver uma sessão de comboiada e venha às 6h, falar com ele”. Assim fiz, fui ver um filme e regressei à hora marcada. O Sr. Adriano, quando lhe disse que queria responder ao anúncio para encarregado, mandou-me para um escritório e deu-lhe uma planta, deu-me meia hora para a analisar, em 10 minutos ele passou por lá e perguntou-me se estava tudo bem e eu respondi-lhe que a análise estava pronta. Ele fez algumas perguntas e eu respondi sem dificuldade nenhuma. Foram então de seguida falar com o Sr. José Correia da Costa, o patrão, que me contratou. O patrão perguntou-me quanto queria ganhar e eu respondi-lhe “150 escudos”. Ele disse-me que não podia ser, porque os encarregados na empresa só ganhavam 120 escudos. Eu disse-lhe que não me importava de ficar 3 meses à experiência sem ganhar e que no fim dos 3 meses ele via, se gostasse do meu trabalho dava-me os 150 escudos. Ele fez-me a proposta de ficar 3 meses a receber 120 escudos e ao fim de 3 meses se gostasse do meu trabalho dava-me os 150 escudos. Depois desta conversa, lembrei-me da carta de recomendação perguntei se estava a falar como Sr. José Correia da Costa e ele disse-lhe que eu estava a falar com o mestre Fernando Costa. Então dei-lhe a carta de recomendação da anterior empresa dada pelo eng.º Fernão Guedes para o Sr. Fernando Costa. Quando ele abriu a carta, ia caindo da cadeira de tanto rir. Disse ao Sr. Adriano que eu tinha acabado de fazer a obra sobre a qual ele me tinha interrogado, por isso eu tinha demorado apenas 10 minutos a planeá-la. Depois disso disse-me: “Está contratado, pelos 150 escudos”. “Vá para casa, porque já está a ganhar, deixe o seu telefone, quando a nova obra começar, nós chamamo-lo”.

Na primeira obra para onde fui trabalhar, um dia estava com colegas a analisar uma planta e disse que os engenheiros não sabiam nada, porque tinham projetado mal uma rampa. Um dos encarregados insultou-me dizendo que o eng.º era o genro do patrão começamos a discutir e eu dei-lhe um soco. Foi aberto um processo disciplinar, eu fui castigado e mandado para uma obra pequena na galeria da câmara municipal do Porto. Um colega chamado o “piça negra”, que conhecia a história e sabia que eu não estava satisfeito naquela obra, disse-lhe para responder a um anúncio de uma nova empresa, em Capitão Pombeiro, que estava a pedir um encarregado. Eu fui à entrevista a essa empresa. Quando lá cheguei encontrei um amigo de de Viana do Castelo. Fui logo contratado, mas o patrão, um tal Nelson, que era enfermeiro, não percebia nada de construção civil, tinha herdado a empresa, mas não era do ramo. Entretanto, despediu-se da Soares da Costa e foi para essa nova empresa e foi fazer um edifício a Capitão Pombeiro. Quando estava a trabalhar na rua de Capitão Pombeiro precisava que um restaurante lhe levasse as refeições. Mandou um servente ao restaurante mais próximo chamado “Escondidinho de Amarante” para lhe mandarem a comida à obra. A dona do restaurante, a minha atual cunhada Violante, disse que não tinham tempo para levar comida fora que ele tinha de vir fazer as refeições lá. Quando lá foi a primeira vez, reparou que havia por lá várias raparigas casadoiras e perguntou à filha da Violante, a Linda, que na altura era muito pequena o nome das raparigas e se eram comprometidas. Ela respondeu-lhe que eram tias dela e que duas eram comprometidas, a Armandina e a Augusta e uma descomprometida, a Inês. Eu simpatizei logo com a Augusta, a minha esposa atualmente.

A empresa de Capitão Pombeiro era pequena e mal gerida, o patrão pediu-me que tomasse conta da empresa, mas eu comecei a ver que havia muitas dívidas aos fornecedores e comecei a procurar trabalho noutra empresa. Viu no Jornal que uma empresa “Ressano Garcia e Filhos”, com escritório na rua Antunes de Guimarães, pedia um encarregado para começar uma obra na Avenida de França. Fui à entrevista, o patrão contratou-me, mas no fim da entrevista perguntou-me: “Você não me vai bater, ora não?”. Disse-me que era primo do eng.º Faria Guimarães, da empresa Soares da Costa, e que tinha sabido da história dele. Disse-lhe ainda que se falava muito dele. Confidenciou-lhe que o Sr. Fernando Costa estava muito trise comigo, que queria ter tido uma palavra comigo antes de eu ter vindo embora da empresa Soares da Costa. Estas situações passaram-se por volta de 1970, já eu namorava com a tua tia Maria Augusta Duarte Rodrigues.

Porque voltou novamente para a Soares da Costa?
Como tinha saído da Soares da Costa, o mestre Fernando Costa procurou-me na obra da Avenida de França. Eu ia a sair um dia às 18h e ele foi ao meu encontro e disse-me que queria que eu voltasse para a empresa Soares da Costa, que tinha havido um mal-entendido. Então regressei em fins de 1969, mas apesar de eu ganhar mais na Ressano e Garcia, eu preferi ir para a Soares da Costa, porque era uma empresa de futuro. Fui fazer um projeto para a Rua Nova do Teatro, na Foz, depois fui para a Pasteleira fazer um bloco habitacional, depois para Santos Pousada e mais tarde fui aumentar a fábrica da Effacec na Via Norte.

Depois fui para Caxia, em Aveiro, fazer uma fábrica de celulose, de papel. Aprendi muito com isso.
Depois desse projeto fui convidado para fazer o hospital de Viana do Castelo. Fiz todas essas obras de 1969 a 1975.

Casei a 27 de julho de 1975 na capela da Pasteleira, no Porto.

Entretanto, comprei o meu andar em 1973 ainda solteiro, depois mobilei-o. Preferi construir em primeiro lugar o lar para depois mais tarde comprar carro, o que aconteceu em 1977.

A minha especialidade era estrutura, a engenharia deixava uma equipa a fazer os acabamentos e eu avançava para outros projetos.

A primeira vez que sai de Portugal na empresa Soares da Costa foi em 1975, quando fui para a Venezuela, fazer uma siderurgia.

Entretanto, em 1975 estava acabar o hospital de Viana e fui convidado a ir fazer um projeto à Venezuela com um consórcio alemão era a primeira vez que a Soares da Costa saía para fora. Tratava-se de fazer a maior siderurgia do mundo em Porto Ordaz, zona onde o solo tem 75% de aço.

A minha mulher Maria Augusta Duarte Rodrigues Meixedo acompanhou-me. Ela saiu de Portugal grávida, já tínhamos casado, em julho de 1975. Foi lá que nasceu a minha primeira filha, a Joana Patrícia Rodrigues Meixedo, na clínica Bolivar em Porto Ordaz. A minha mulher quis fazer um parto sem dor e correu mal. Eu fui pai e mãe da Joana durante 15 dias. Foi o acontecimento mais marcante da minha vida, o nascimento da minha primeira filha.

Terminado esse projeto, que só durou um ano, houve uma manobra política para eu ficar, sabendo eu que a obra não tinha acabado o chefe pensava que eu ia pedir para ficar, mas eu confiava na minha empresa e o meu contrato era só de um ano e eu disse que voltava, A empresa alemã fz a proposta para ficar com muitas mias regalias, mas eu apostei na empresa em que eu confiava. Ainda me mandaram cartas para Portugal a aliciar-me a ir para a empresa alemã, mas eu não quis arriscar. Regressei em princípios de 1978, a Joana já tinha 6 meses, nasceu a 11 de novembro de 1977, dia de S. Martinho e da independência de Angola.

Comecei a trabalhar, no Porto, na construção da seguradora Tranquilidade, no Palácio.

Em novembro de 1980, fui para Angola correndo muitos riscos, porque, entretanto, nasceram mais 2 filhas gémeas a 26 de maio de 1980 no hospital de S. António, no Porto. Era uma situação difícil aquilo era comunista, mas fui convidado para ir como encarregado geral. No primeiro ano fui sozinho, para fazer o estádio desportivo para os jogos da áfrica astral, a cidadela desportiva. Só podíamos levar técnicos, porque em Angola reinava a desordem e nós lá tínhamos uma empresa com 3000 operários, que não estavam a trabalhar. Era preciso pôr aquela empresa que lá tínhamos a funcionar, mas foi muito difícil. A equipa técnica desbaratou-se toda, e teve de regressar. Eu fiquei, criei condições com a empresa e em meados de 1981 levei a família toda. Fiquei lá até 1990, mas a família veio antes. Eu tinha todas as condições a Joana estudou lá num colégio, as duas mais pequenas a Filipa e a Marlene ficaram com a mãe em casa. Criou-se entretanto uma escola portuguesa privada, muito cara, onde estudou a Joana.

Em 1985, comprei uma moradia na Rua da Avilhó onde vivo e vendi o apartamento que tinha no Carvalhido. Em 1988, vim cá passar ferias e a minha filha mais velha, a Joana, um dia no café, perguntou-me se a nossa vida ia continuar assim, porque ela só tinha amigos de Lisboa, de Angola, e quando chegava ao Porto não conhecia ninguém. Ela deveria ter 11 ou 12 anos. De facto, pensei naquilo que ela me disse, conversei com a minha mulher e decidimos que elas ficavam e eu deixaria de ir tanto para fora. Fiquei mais 1 ano em Angola. Este projeto foi tão importante para a empresa hoje está sediada em Angola. É lá que a empresa tem o maior mercado de trabalho. O Fernando Costa entretanto morreu ficaram os sobrinhos. O administrador Sousa Ribeiro pediu-me para ir salvar um fogo na Ásia. Eu tinha prometido à minha mulher e às minhas filhas não sair mais, mas ele disse-me que me dava mais vantagens e com essas vantagens eu poderia proporcionar melhores condições de vida às minhas filhas e eu aceitei ir para Macau. Fiz uma incineradora em Macau, um bairro de apartamentos, um túnel, o túnel da Guia, onde se faziam as corridas em Macau. Ganhámos o aeroporto de Macau, fui diretor de produção, fiquei 6 anos e meio. Fui em 1990, sozinho para a família se adaptar em Portugal e a família só foi lá visitar-me. Eu fui em agosto e a minha mulher foi-me visitar em outubro. Fazia 45 dias de férias por ano. Combinámos a família não ir, porque eu trabalhava muitas horas. Eu tinha dias em que trabalhava 20 horas, 14, trabalhava mais do que 12 horas por dia. Dependia da entrega do projeto, das dificuldades. As filhas fizeram os estudos que quiseram, dei-lhes uma boa vida. Eu era o motor de toda a economia da família e tive um pouco de sorte não ter tido doenças e me ter adaptado bem na empresa, onde trabalhei 36 anos dos quais 26 anos internacionais. Trocava de carro como quem trocava de camisa, todos os carros foram comprados novos (passat, ford, passat e atualmente tenho um volvo). A empresa dava sempre bons carros onde eu trabalhava. Tinha casa, carro e viagens 3 vezes por ano e as ajudas de custo que eram mais 5 vezes o salário. Só vão para o estrangeiro os funcionários muito testados.

Regressei a Portugal em 1996, porque o administrador precisava de mim na Europa. Estive 15 dias no Porto a estudar o dossiê da Alemanha e depois fui para a Alemanha, como diretor de produção. A empresa estava com muito prejuízo com obras em Berlim, Hamburgo. Fui para lá para diminuir o prejuízo e organizar as obras. Lá tinha uma tradutora oficial, porque os maus tradutores traziam prejuízos enormes à empresa, porque traduziam mal os contratos. Estive 3 anos na Alemanha, fui no fim de 1996 e regressei no fim de 1999.

Primeiro acabei e terminei com alguns contratos que davam prejuízo.

Uma empresa italiana tinha 17% da Soares da Costa e essas obras foram conseguidas por essa empresa italiana. Os alemães faziam os contratos à feição deles. Cheguei lá analisei várias obras e consegui que os clientes desistissem de algumas obras, que estavam mal feitas e com prejuízos para nós. Por exemplo, eu tinha que construir um túnel no metro de Munique, com uma cofragem alemã do tempo do Nero. Foi esta expressão que usei no meu relatório para a empresa. O administrador na sede no Porto achou piada à minha expressão. Noutras a cofragem tinha passado por 100 obras. Eu tirava fotografias às obras, juntava ao relatório e levava para as reuniões com os alemães e os gajos desistiram de 2 obras importantes. As que estavam iniciadas, obrigávamo-los a cumprirem os prazos, senão éramos indemnizados. Numa obra no centro de Munique, exigi que fechassem várias ruas no centro de Munique, mas eles disseram que a câmara não autorizava. Então, desistiram, porque acharam muito caro o nosso orçamento, iam chamar uns turcos. O diretor geral numa reunião pediu à nossa tradutora para me perguntar se o meu pai, mãe, o avô ou avó eram alemães, pois eu era pior do que os alemães. Respondi que não, que eu soubesse não, mas que tinha sangue de D. Afonso Henriques, que era do Minho e o D. Afonso Henriques era do Minho. Encerrámos ao fim de ano e meio para pensar. Ganhámos mais obras em Berlim, em Haia, Leibniz, em Hamburgo, Hannover. Eu tinha todos dias reuniões em várias cidades, andava de avião e num BWW topo de gama. Eu gosto muito dos alemães. Vivia numa moradia no mar Báltico, em Rostof. Terminados estes projetos regressei.

As minhas filhas foram a Macau estiveram na China, também fizeram férias em várias partes da Alemanha (Berlim, Munique). Regressei em fins de 1999. Comecei na sede, na Rua Senhora do Porto, em 2000. Entrei num estudo para colocar um metro em S. Salvador da Baía. Ganhamos a obra e depois chegou uma ordem para não irmos, um engenheiro que era relações públicas do Soares da Costa associou-se a uma empresa francesa e enganou a Soares da Costa. Antes da bronca acontecer despediu-se.

Agora a Soares da Costa mudou-se para o Campo 24 de Agosto, porque não conseguiram vender o edifício. A Soares da Costa acabou.

Para não fugir o fio à meada, estive ano e meio no Porto e depois em 2000. Havia um projeto de saneamento nos Barbados, eu nunca tinha feito nada do género. O Governo dos Barbados convidou a Soares da Costa para ir ver o projeto, porque a empresa espanhola que lá estava não estava a conseguir fazer a obra. Mandei traduzir o projeto e vi que a obra era toda debaixo de água. Não tinham saneamento básico e o governo ou fazia o saneamento ou perdia a patente de turismo superior. Os Barbados recebiam o Concorde 2 vezes por semana. Eu disse ao administrador que não havia orçamento para estancar a água. Fiz um estudo sério. Conclusão, fomos aos Barbados com o tal administrador, durante 3 semanas. Eu pedi ao engenheiro canadiano o levantamento dos erros cometidos na obra para melhorar o que estava mal. Ele compreendeu e emprestou-nos o projeto. Conseguimos manter a obra. Fizemos o túnel, fizemos tudo.

Isto foi em? Em 2000 e vim em 2003.
Eu vim mais cedo, porque era para ir iniciar um projeto a Angola em 2004, porque era um projeto muito exigente. Nós tínhamos de ser autosuficentes, apesar de termos lá a empresa. Fomos construir 3 torres em projeto (para a Total, Sonangol) e outras empresas petrolíferas, com gás, central de resíduos, com todas as infraestruturas modernas. Voltei em 2006, convidaram-me para ir para Moçambique, mas eu disse-lhes que nem pensar, que me queria reformar.

Posso fazer-lhe mais duas perguntas? Podes.

Como viveu a sua experiência na guerra colonial, na Guiné Bissau de 1965 a 1967?

Eu encarei a guerra.
Caí numa mina anticarro e fiquei surdo. Eu tive uma meningite aos 2 anos e fiquei com a boca um bocado ao lado e a ouvir mal, mas com o acidente na Guiné fiquei surdo.

Queria que eu ficasse na tropa como sargento. Eu salvei um sargento do Alentejo, o Vélez, eu não pensei que era ele, mas um conterrâneo meu de Viana. Estava todo a arder eu tirei-o do fogo e ainda me queimei no braço. O capitão também se queimou e foi fazer plásticas. Um médico, o David Leite, do hospital de Bissau, chamou-me porque o sargento Vélez me queira pedir desculpa, porque na recruta em Chaves tínhamos andado à porrada, e eu salvei naquele acidente. Mais tarde, encontrei esse médico no Porto, quando fui aconselhado pelo teu tio a ir consultá-lo, por causa da vesícula.

Um dia o capitão estava para regressar à metrópole, atacaram o avião onde ele vinha e ele foi o primeiro a apanhar um tiro no pé. Todos os anos, fazemos uma homenagem, um encontro com o grupo da tropa. O capitão tornou-se meu amigo, quando eu estive com o paludismo. Mandou-me dar-me sumos na messe. “O que o Santa Marta precisar dêem-lhe”. Se tivesse seguido a tropa por causa de ter salvo o sargento passava a 2.º sargento, como não segui não consta nada na caderneta militar. O Salazar sabia muito… (risos). Na tropa, éramos conhecidos pelo número, o meu era o 2272 nunca mais me esquece. Chamavam-me o Santa Marta por causa do Grupo Folclórico de Santa Marta de Portuzelo. O capitão, quando nos encontramos mais tarde, dizia: “Este gajo que está aqui, quando havia guerra este gajo fazia-se doente e vinha para trás”. Eu só tinha de me defender. Os outros 6 que estavam comigo vinham também para trás.


Se me perguntas se fiquei traumatizado? Não, eu levava aquilo na brincadeira. Aquilo não tinha interesse. Aquilo era uma passagem.

Não escrevi? Sim, tinha madrinhas de guerra. Se se tinha dinheiro, casava-se quando se regressava, se não. Se se morresse, morria-se, a minha família não queria saber, a minha mãe nunca me deu um beijo, nunca me limpou o cú, só a minha irmã me deu algum carinho.

Quando chegámos a Lisboa no navio Houaiss(?), a 14 de fevereiro de 1967. Passámos muito frio, fomos entregar a roupa. Por causa das doenças que ganhámos lá fomos tratados. Eu fui bem tratado numa clínica em Gondomar, eu tinha paludismo, fui tratado.

Se me dizes que há traumas? Há.

Há pessoas que não aguentam o trabalho, os chefes, outros aguentam. Há pessoas com mais traumas e outras não.

Como recorda o 25 de abril de 1974?

Estava a construir a fábrica de Celulose em Caxia. Tive de parar o que estava a fazer, uma chaminé e um silo. A chaminé por razões técnicas não podêmos parar e o silo parou, porque foi um dia de liberdade.

Na Soares da Costa, fizemos uma comissão de trabalhadores, a seguir ao 25 de abril. Fizemos um jantar num restaurante no Porto, e a minha proposta foi juntarmos todas as classes e formar uma comissão legal incluindo membros do patronato. Fizemos uma comissão provisória, convidaram-se para essa comissão. Fizemos a reunião com toda a gente. O patrão aceitou colocar aquecimento nas casernas do pessoal, dar melhores condições ao pessoal. Ganhei as eleições, fui presidente da comissão durante 2 anos. A sede da comissão era na Rua do Almada. Foi aí que comecei a ganhar um estatuto de respeito na empresa, não era bom também não era mau. Tinha bom senso. Houve alturas, com aquilo que vivi na Guiné, que eu era mais tenso.

Eu gosto hoje de contactar com toda a família, que tenho no Brasil. Eu gosto das novas tecnologias, a tua tia não.

Há alguma coisa que mais o marcou na vida?

Sim, quando nasceu a minha primeira filha e as outras. Agora tenho mais tempo para brincar com os meus netos. O Marco, o filho da Filipa, é terrível, diz: “Cala-te Meixedo”. Vou a Paris duas ou três vezes no ano. Vou lá a 27 de outubro. A Margarida, a filha da Joana, é muito boa menina e gosta muito daqui da casa da aldeia. Diz-me onde se liga o gás, a luz, a televisão, onde se coloca a chave. Ela gosta muito de Campo Benfeito.

 Muito obrigada.



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