sexta-feira, abril 15, 2011

Olinda Santana, docente da UTAD

“Sem investigação não há ensino de qualidade”Natural da freguesia de Massarelos, no Porto, Olinda Santana é docente, há 22 anos, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e uma das investigadoras mais dinâmicas nas áreas da cultura e da linguística.
Com cerca de 30 obras publicadas e outros tantos artigos, na sua maioria relacionados com a história e a cultura da região, a docente do Departamento de Letras, Artes e Comunicação, desde o início da sua carreira, que se interessou pelos documentos históricos, particularmente pelos forais medievais e modernos.
Formou-se na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e rapidamente começou a docência, no ensino secundário. Leccionou português e francês no ensino secundário, em várias escolas do Porto, durante cinco anos até que teve conhecimento da abertura de um concurso público para assistentes estagiários na jovem Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro sedeada em Vila Real, corria o ano de 1989. “Foi uma decisão arriscada. Deixei um lugar do quadro no ensino secundário e candidatei-me a um lugar de assistente estagiária, na UTAD. Na altura, foi um risco, vim para uma cidade que desconhecia, para um nível de ensino diferente, mas, passados mais de 20 anos, não me arrependo de o ter feito, pelo contrário, foi e continua a ser um desafio aliciante”, referiu convicta. Entretanto, já havia colaborado com o Professor Mário Vilela na elaboração de um Dicionário de Português Básico, de resto, a primeira obra de lexicografia em que participara.
“Na UTAD, comecei por leccionar Sintaxe e Semântica do Português e ainda História da Língua Portuguesa, cadeira em que acabei por me especializar, por estar ligada à minha investigação”, revelou. Décadas depois, os cursos via ensino onde leccionava acabaram por ser extintos e foram criados os cursos de Ciências da Comunicação e Línguas e Relações Empresariais. Nestes novos cursos, lecciona “Análise do Discurso e da Imagem” e “História Regional e Local”, respectivamente. Rege ainda um seminário de “História Regional e Local” no Mestrado de Ciências da Cultura.
A extensão universitária permitiu-lhe um maior contacto com a cultura e costumes transmontanos e alto durienses. “Foi através dos forais que desenvolvi uma maior proximidade com a região e respectivas autarquias. As minhas Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, por exemplo, foram sobre os forais antigos e manuelino de Vila Real, um trabalho de edição de texto e tratamento estatístico-linguístico bastante desenvolvido, que foi muito bem aceite na comunidade académica. No Doutoramento Europeu, feito na UTAD e na Universidade de Toulouse-Le-Mirail II, em França, estudei o “Liuro dos Foraes Nouos da Comarqua de Trallos Montes”, fiz o estudo histórico e estatístico-linguístico de todos os forais novos dados por D. Manuel I à “província” de Trás-os-Montes. Apliquei a esse corpus uma metodologia estatístico-lexical: “o meu doutoramento foi o primeiro doutoramento europeu defendido em Portugal na área das Ciências Humanas e Sociais”.

Miranda do Douro no coração
Foi o foral manuelino de Miranda do Douro que a conduziu àquele concelho raiano.
“O foral manuelino de Miranda do Douro é o primeiro do Livro dos Forais Novos, é o modelo de muitos outros forais transmontanos. Sabia que ele fora transcrito pelo Abade de Baçal no próprio concelho, mas quando fui à procura dele, já não estava lá. Foi então que consegui contactar por telefone o Dr. António Maria Mourinho, também ele investigador de filologia, etnografia, literatura mirandesa, coreografia, entre outras áreas do saber, que estava aposentado e a residir em Lisboa”, adiantou. Ficou a saber que o Padre Mourinho, como era tratado, possuía muita documentação ainda por arquivar e estudar. António Mourinho faleceu em 1996, antes de poder terminar toda a sua investigação. Mas o seu trabalho não estava destinado a ser esquecido. Olinda Santana, após concluir o doutoramento, foi a Miranda saber da situação do acervo do antigo pároco de Duas Igrejas.
“A autarquia não tinha ninguém para tratar e estudar a documentação legada pelo insigne mirandês, eu voluntariei-me para fazer esse trabalho com uma pequena equipa da UTAD. Enquanto docente e investigadora da UTAD e tendo a universidade, na altura, um pólo universitário em Miranda do Douro, fazia todo o sentido ser uma investigadora da UTAD a tratar, estudar e divulgar o acervo do Dr. Mourinho”, reconheceu.
Segundo Olinda Santana, “o Arquivo de António Mourinho é multifacetado e singular, porque contém um arquivo fotográfico, um arquivo sonoro, uma biblioteca e um arquivo documental”. “Mourinho tinha plena consciência de que o seu arquivo seria muito importante para as gerações futuras”, pois como costumava dizer “Miranda do Douro era ainda, no seu tempo, um imenso tesouro etnográfico” que precisava de ser preservado para os vindouros. Foi esse tesouro que Mourinho guardou em palavras, em imagens e em sons.
“Fiz um projecto sobre esta matéria e fui apresentá-lo ao saudoso Reitor Professor Torres Pereira, que ficou radiante com a minha proposta, dada a grande paixão que tinha por aquela terra”, disse. O projecto começou em 2001 e em 2004 foi criado o Centro de Estudos António Maria Mourinho (CEAMM). Todos os anos são realizados diversos eventos e publicações em torno do Arquivo do obreiro da oficialização da língua mirandesa.
Com a inclusão de novos cursos (Ciências da Comunicação e Línguas Estrangeiras Aplicadas), a docente direccionou a sua aptidão para outras matérias, tendo criado, por exemplo, a cadeira de História Regional e Local. “Para sermos bons professores temos que fazer investigação de qualidade, as nossas cadeiras têm de estar ligadas às nossas pesquisas”. Pretende editar, no próximo ano, um dicionário completo sobre os forais novos de Trás-os-Montes, bem como as correspondências trocadas entre o Professor Joaquim dos Santos Júnior e António Mourinho.
Nos últimos anos, mais concretamente desde 2006, que é investigadora da Rede de Arquivos e Investigadores de Escrita Popular (REDAIEP) da Universidade de Alcalá de Henares de Madrid. Actualmente, estuda vários arquivos de escrita quotidiana: “Foram os meus colegas espanhóis que me mostraram o interesse desta nova área. Nos últimos anos, tenho apresentado trabalhos sobre escrita quotidiana nos congressos anuais organizados pela REDAIEP em vários arquivos e universidades espanholas”.

Ciclo Cultural trouxe novas experiências
Foram inúmeras as exposições que organizou sobre a escrita popular, actividades desenvolvidas no âmbito do Ciclo Cultural da UTAD, um projecto por ela encetado, em 2008, que visa promover as artes e a cultura na academia. Desde então, realizaram-se peças de teatros, exposições de pintura, fotografia, artesanato, conferências, palestras, entre outras actividades.
Há alguns anos atrás, conheceu o Padre Dr. João Parente, considerado o maior historiador e arqueólogo do distrito de Vila Real. Em conjunto com o pároco, já realizou várias conferências e algumas visitas a locais arqueológicos. “Trata-se de um grande estudioso. Está a concluir, neste momento, uma obra de três mil páginas com toda a documentação medieval do distrito de Vila Real: uma traduzida do latim e outra escrita em português arcaico. Na sua obra, que eu tive a honra de prefaciar, são editados os documentos régios outorgados às comunidades do distrito de Vila Real durante mais de seis séculos”, revelou.
Relativamente ao Ciclo Cultural da UTAD, no mês de Abril, será mostrada uma exposição fotográfica “Relembrar Auschwitz – Birkenau” de José Paulo Santos, repórter fotográfico. No mês de Maio, o Ciclo apresentará uma exposição de pintura, duas conferências: uma sobre João de Araújo Correia e outra sobre o “O Castro de São Bento e o seu ambiente arqueológico”, e contará ainda com a apresentação de dois livros “azimute” e “descravidades”, bem como uma visita arqueológica ao referido castro.

Através do endereço www.cicloculturalutad.blogspot.com é possível seguir todas actividades culturais da academia.

Filipe Ribeiro

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